domingo, 27 de dezembro de 2009

Querido Julien,

Eis que eu estava sentada num banco de madeira de frente pro mar, um pouco antes de amanhecer. No meu colo, repousava o romance do Burroughs&Ginsberg, cansado de ser lido pela segunda vez. Nos meus ouvidos, o legado de Ian Curtis era absorvido com uma devoção de um evangélio da única religião que me agrada.
Pois então, enquanto eu observava o sol se afastar do mar deixando o céu num tom alaranjado, que chegava a transformar a imagem deslumbrante numa sensação nostálgica, a melhor poesia tocava.
"heart and soul... one will burn."
Esta música foi escrita em 1980 e hoje, quase trinta anos mais tarde, a primeira frase começou a fazer efeito sobre mim. Me causou mais do que uma dúvida, uma inquietação que fez desandar teorias e pensamentos confusos e obscuros.
E é por isso que te escrevo, querido Julien. Preciso saber se até os nossos instintos são capazes de nos trair. E preciso ouvir isso de você mais do que de qualquer outro poeta.

Enquanto nós, meros mortais, buscamos pela Vida, pelo Amor e pelos Prazeres, somos guiados apenas por nossos sentidos.
Uma vez esta busca alcançada, entramos num estado julgado crônico de felicidade e, como num suicídio inverso, nos jogamos do penhasco cujo fim é a Plenitude.
Ms você me conhece, pequeno Julien. Sabe do meu negativismo natural e da minha filosofia que nada acaba bem; tudo acaba solitário.
Eu aprendi sobre a solidão após ficar na beira de um rio enquanto chovia. A chuva por si só já me traz a terrível sensação de estar sozinha. O rio é algo plano e pleno, que sozinho está bem.
Então, eu vi a chuva se encontrar com o rio e os dois desceram colina abaixo. Vi que eles estavam solitários, apesar de juntos. A partir desse dia, me sinto sozinha, não importa com quem eu estivesse.

Desculpa querido Julien, por ser tão breve e divagar tanto. Mas é assim que eu tenho me sentido nesses últimos tempos.

Com todo o meu amor,

Um comentário:

  1. Nós sempre somos capazes de nos trair. Aliás, quem mais nos trai, somos nós mesmos. É apenas uma questão de compreensão a si mesma, a gente tem que aceitar e seguir simplesmente em frente. Não sei lhe dizer porque, mas as coisas são assim. O fato de se sentir sozinha... Nunca estará sozinha enquanto estiver contigo mesma. Eu sei que ainda há toda a traição a si, mas na hora de renúncia, a única que vai restar a ti é você mesma. E isso é geral. Sim, tudo acaba em solidão.

    O que mais buscamos, além do amor, é o prazer. Os sentidos e os instintos são nossas portas-guias, como Freud previu. Eu não sei como lhe dizer todas essas coisas, pois posso ser breve nisso e sendo breve, machucará menos. Não importa, V, o que façamos. A gente acaba sozinho mesmo, é natural.

    Mas ainda temos amor, desejo, prazer e tudo isso para ser desfrutado não sozinho, mas com qualquer compainha bacana.

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